29 de janeiro de 2007

Onde me levas, noite?

A noite não é simplesmente um negrume
Ela tem claridade, caminhos, escadas
A construção da noite sobe aos longos céus estrelados,
Em trapézios, pontes, vertiginosos parapeitos,
Para obscuras contemplações e expectativas.
Então a noite leva-me...
Sob cortinas fechadas, havia corpos abraçados
Imensos desejos diversos, dúvidas, paixões, despedidas,
Mas tudo desprendido e fluído, suspenso entre objectos e
Circunstâncias, com destrezas de arco-íris e aço.
Então a noite leva-me...
Ás vezes voando pelos muros, outras boiando pelos rios
Com seus barcos (alados) ou pisando a frágil trufa ou o lodo amargo.
Então a noite leva-me...
Tão alto que os desenhos do mundo se inutilizavam.
Regressavam as coisas, devolvidas a uma pureza total,
A uma excelsa clarividência.
E tudo queria ser novamente,
Não o que era nem o que fora,
O que devia ser, talvez não pensasse: porém docemente sofria.
Abraçáva-me á noite e pedia-lhe outros sinais, outras certezas:
A noite fala em mil linguagens, promiscuamente.
E passava-se pelo mar, preparava palavras e sonhos.
Então a noite leva-me...
Porque tudo não era igual,
Ah! Como sentia que tudo jamais seria igual,
Apesar da distância, da altura, do silêncio...
Porém tudo era equivalente, e provisório:
Espada, música, cifra, lágrima, pássaro nas dunas.
E ao mesmo tempo era belo, uniforme num unânime sono.
Então a noite leva-me...

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