14 de outubro de 2012

13 de outubro de 2012

Inventário Desordenado de Pequenos Prazeres


Estender a mão todas as manhãs. 
Andar em estradas de terra.
Acariciando a casca de uma árvore.
Escrever com caneta.
As primeiras páginas de um livro.
O cheiro de café que vem de repente e se torna desejo.
Olhar através de uma janela.
O silêncio da noite, quando todos dormem.
Um revolto prato de batatas.
A poltrona favorita, chama em todas as horas do dia. 
"Sente-se, sente-se", disse.
Os desenhos animados em família.
Redescobrir  filmes que  quase tinha esquecido e rir novamente com as mesmas cenas então.
As borboletas no estômago quando a minha equipa entra em campo.
A relva recém-cortada.
Acariciar um cão.
Falar de livros.
Sabendo que a memória é uma memória com partilhada.
Desfrutar dos desenhos aos quadradinhos quando criança. 
Trilhos de emoções que levam a um poema. 
Ter uma tarde livre para se perder, em  café,beijos  e uma tarte chocolate.
O nu feminino, sempre imprevisível e mágico.
A contemplação hipnótica do fogo.
Acordar no meio da noite e ainda três horas para levantar-se.
O travesseiro, que sempre entende.
Ouvir  novamente “Trilhos” e verificar que o tempo não se gastou.
As folhas das árvores.
A água quente no chuveiro nas costas. 
Água gelada e viva do rio nas  mãos.
Que não dói nada.
Abrir um velho livro em traços aleatórios e encontrar rastos perdidos de outras vidas.
Uma carícia no pescoço.
Regressar a casa.

6 de outubro de 2012

Abraça-me


1 de outubro de 2012

Contador

Ela sabia demais o que lhe sabia a pouco.
Havia alturas das quais lhe apetecia cair. Nem que fosse num enorme trambolhão. Mas cair de certas alturas podia ser a única solução para deixar de saber de mais sobre aquilo que lhe sabia a pouco.
Ela tinha dias bons. Também tinha dias maus e outros que nem sequer se lembrava de ter vivido e que por isso não deviam ter sido nem bons nem maus. Tinha dias assim. Assim assim.
Tinha muitas gavetas. Entreabertas ou estragadas. Umas que custavam a abrir e outras que nem sequer conseguia fechar. Parecia um móvel daqueles antigos a que chamam contadores. E ela sentia-se assim. Capaz disso. Ou então não. Nem sempre, só às vezes.
De vez em quando sentava-se algures dentro dela e rebuscava nas memórias. Era capaz de sorrir e de vez em quando até já era capaz de se rir de coisas que a tinham feito chorar muito. Outras vezes não.
De vez em quando, quase sem querer, ficava parada a olhar para qualquer coisa que não tinha dito ou para uma coisa qualquer que tinha deixado fora do sítio.
Ela sabia demais o que lhe sabia a pouco.
Queria ser capaz de deixar de se lembrar de muitas coisas e de nunca mais se esquecer de outras tantas. Queria ser capaz de dizer que nunca esperou muito que lhe dessem alguma coisa. Queria que soubesse que o mais importante tinha sido estar ali tanto tempo.
“Contadores”. Podia tentar mexer na palavra. Conta. Dores. Contar as dores. Contar o tempo que passa. A energia que se gasta.
Seria sempre assim. As gavetas seriam sempre pequenas demais para guardar o que se quer e demasiado grandes para descobrir dentro delas o que queremos que deixe de contar.
As coisas todas precisam de muito espaço. Há coisas que não cabem em lado nenhum.
Há coisas assim que crescem cá dentro à medida que vamos ficando mais pequenos diante delas.
Ela sabia que há alturas em que o céu fica demasiado grande e se veste de cores difíceis de explicar.
Apetecia-lhe cair dessas alturas. Deixar-se cair nessas alturas talvez fosse o pretexto que precisava para se levantar.