30 de janeiro de 2007

Mar de Setembro




Tudo era claro;
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves -só
ritmo e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem alado.
O mar estava perto.
Puríssimo. Doirado.
  • Eugénio de Andrade

29 de janeiro de 2007

Onde me levas, noite?

A noite não é simplesmente um negrume
Ela tem claridade, caminhos, escadas
A construção da noite sobe aos longos céus estrelados,
Em trapézios, pontes, vertiginosos parapeitos,
Para obscuras contemplações e expectativas.
Então a noite leva-me...
Sob cortinas fechadas, havia corpos abraçados
Imensos desejos diversos, dúvidas, paixões, despedidas,
Mas tudo desprendido e fluído, suspenso entre objectos e
Circunstâncias, com destrezas de arco-íris e aço.
Então a noite leva-me...
Ás vezes voando pelos muros, outras boiando pelos rios
Com seus barcos (alados) ou pisando a frágil trufa ou o lodo amargo.
Então a noite leva-me...
Tão alto que os desenhos do mundo se inutilizavam.
Regressavam as coisas, devolvidas a uma pureza total,
A uma excelsa clarividência.
E tudo queria ser novamente,
Não o que era nem o que fora,
O que devia ser, talvez não pensasse: porém docemente sofria.
Abraçáva-me á noite e pedia-lhe outros sinais, outras certezas:
A noite fala em mil linguagens, promiscuamente.
E passava-se pelo mar, preparava palavras e sonhos.
Então a noite leva-me...
Porque tudo não era igual,
Ah! Como sentia que tudo jamais seria igual,
Apesar da distância, da altura, do silêncio...
Porém tudo era equivalente, e provisório:
Espada, música, cifra, lágrima, pássaro nas dunas.
E ao mesmo tempo era belo, uniforme num unânime sono.
Então a noite leva-me...

28 de janeiro de 2007

A Mar Te

Amo-te sem corpo
nas mãos no entanto
encontro-te
ilha sol
areia morna para deitar o meu cansaço
a pouco e pouco
mar
em que mergulho à tua procura

Nocturnas Noites!!

Abraçava-me á noite nítida,
À alta, à vasta noite estrangeira,
E aos seus ouvidos sucessivos murmurava:
"Não quero mais dormir, nunca mais, noite, esparsas
Nuvens de estrelas sobre as planícies detidas,
Sobre os sinuosos canais, balouçantes e frios,
Sobre os parques inermes, quando a bruma e as folhas ruivas
Sentem chegar o Outono e, reunidas, esperam
Sua lei, sua sorte, como as pobres figuras humanas".

E aos seus ouvidos sucessivos murmurava:
"Não quero mais dormir, nunca mais, quero sempre
Mais tempo para os meus olhos, - vida, areia, amor profundo...
Conchas de pensamentos sonhando-te desertamente.

E a noite dizia-me: "Vem comigo, pois, ao vento das dunas,
Vem ver que lembranças esvoaçam na fronte quieta do sono,
E as pálpebras lisas, e a pálida face, e o lábio parado
E as mãos dos vagos corpos adormecidos!!"
"Vem ver o silêncio que tece e destece ordens
De tudo o que desce à franja do horizonte!
Na espuma, na areia, no limite incerto dos mundos,
Plácidos, frágeis, entregues à sua data breve,
Irresponsáveis e meigos, boiando, boiando na sombra,
Suspiro da primavera na aresta súbita dos meses...

Meus olhos andavam mais longe do que nunca,
Voavam, nem fechados, nem abertos,
independentes de mim,
E liam, liam, liam o que jamais esteve escrito,
Na rasa solidão do tempo,
Então a noite levava-me e...
E...eu sonhava.

casa em construção

Seja dito de passagem, por vós, eis... eis uma casa singularmente construida (na minha ânsia de dizer alguma coisa com ar deliberado mal sabia o que escrevia) posso dizer que é uma casa admiravelmente construida.
Estas paredes... estas paredes acham-se solidamente revestidas de alvenaria!
E aqui , numa bravata frenetica, bati com força precisamente na parte dos tijolos.
Ah!, mal o eco das minhas pancadas cairam no silêncio, dizer-vos os meus pensamentos seria loucura.
Mas a partilha continua...

Sem título