14 de dezembro de 2008

Uma canção antiga, trauteada num cinema...

Para muitas pessoas, o coração é um enclave com auto-determinação dentro do corpo, que, para mais, lhes dá cabo da cabeça. Numas vezes, mais parece um balcão de check-in, em dia de overbooking. Noutras, resigna-se a ter apenas quatro cavidades (que mais parecem uma mina, outrora próspera, que se foi tornando gélida e sombria). O coração das pessoas parece tingir-lhe a razão, levando-as a culpá-lo, sempre que ele se limita, generoso, a pôr uma verdade palpitante em tudo o que sente. Por isso poupando-o a alguns mal-entendidos, gosto de reflectir acerca das pessoas que vivem sozinhas contra a sua vontade. Muitas são pessoas bonitas. Magoadas, certamente, por uma relação. Algumas ansiando encontrar um outro alguém. Quase todas fugindo, sobretudo, das pessoas que pareçam tornar-se um desafio sério para si. Como se o enamoramento fosse uma canção antiga, antes trauteada num cinema.Porque é que as pessoas, quando ficam mais velhas, ficam hablitadas a ficar sozinhas?
A solidão deixa de as assustar?... Pelo contrário. Torna-se mais agreste o rasto de medo que deixa, dentro de cada uma. Mas sendo assim, porque é que as pessoas parecem irredutíveis na conquista de novo começar? Porque mais experiência as torna mais atentas aos pequenos pormenores e requintadas. E pode também levá-las a que fujam de ser abandonadas, sobretudo, se sentirem que essa pessoa pode abrir presianas nos seus olhos ou passar a trazer-se à tiracolo, em todos os seus gestos. (Mas fugir de alguém é a melhor forma de o deixar preso a si, para sempre...).
É claro que, esgrimando contra a sua solidão, muitas pessoas falam dos "mal-acompanhados" que conhecem. Querem com isso dizer - suponho eu - que a monotonia de muitas relações é uma forma das pessoas nos dizerem que não há nada de novo para descobrirem ( que, presumo, é a forma misericordiosa de, nesse purgatório de indiferença, nos segredarem que estão fartas de nós).
Mas, acima de tudo, muitas pessoas, sós ou mal acompanhadas, vivem dominadas pelas suas experiências de abandono para que não sejam abandonadas. Noutras recheiam os gestos fortuitos de alguém para com elas de expectativas tão redentoras (e exoberantes) que permanecem sós acaba por ser uma forma de concluírem que não há ninguém à altura dos seus sonhos. Mas, depois de um abandono, talvez não se fuja de outros abandonos. Guarada-se, como relíquia, o amor-perfeito de que se socorreram, como náufragos, sempre que foram abandonadas.
E que fez com que, entre um amor que se desenha e um sonho que se venera, escolham o segundo. Com a convicção de que, desse modo, mesmo continuando sós, nunca se arriscam a que se desmorone a única luz que lhes deu um sentido para a esperança.

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