4 de fevereiro de 2010

Porque Escrevo

Escrevo para me abraçar.

Escrevo para me abrigar.

Escrevo para me acrescentar.

Escrevo para me admitir.

Escrevo para me compreender.

Escrevo para me consolar do teatro que não fiz e do jazz que não toco.

Escrevo para me descobrir.

Escrevo para me encontrar.

Escrevo para me esquecer em noites de insónia.

Escrevo para me exceder.

Escrevo para não me sentir exilada numa ilha de silêncio e indiferença.

Escrevo para me percorrer.

Escrevo para não me sentir perdida em emboscadas de solidão.

Escrevo para me provocar.

Escrevo para me ressarcir.

Escrevo para me sentir viva.

Escrevo para me soltar, de um secular sossego.

Escrevo para não me sentir só.

Escrevo para abandonar uma história real sem enredo.

Escrevo para cortar esta amargura.

Escrevo para dançar com as palavras o tango mais erótico.

Escrevo para deixar na folha a impressão digital.

Escrevo para descrever sombras, fragilidades, desejos e sonhos.

Escrevo para despedaçar a rotina.

Escrevo para esquecer sonos vazios, despovoados.

Escrevo para exteriorizar a saudade, velha, cheia de musgo.

Escrevo para fugir ao lirismo bem comportado.

Escrevo para murmurar pérfidos segredos.

Escrevo porque gosto de escutar.

Escrevo porque não sei tocar a harpa que envelhece.

Escrevo para não sofrer.

Escrevo para não ter que me mascarar.

Escrevo para poder fazer coisas que não devo.

Escrevo para roer os ossos do medo.

Escrevo para preencher o vazio.

Escrevo para quebrar esta angústia.

Escrevo para registar o que é efémero.

Escrevo para resistir, ainda que com as pálpebras pesadas.

Escrevo para respirar.

Escrevo para secar a dor.

Escrevo para ser melhor do que sou.

Escrevo para tornar visível o mistério das coisas.

Escrevo para viver outras vidas.

Escrevo para voar, carregada de desejos.

Escrevo o que não se pode contar.

Escrevo como quem desaparece na praia, às tantas da madrugada.

Escrevo como quem desfalece ao toque das palavras.

Escrevo como quem morre aos poucos de ternura.

Escrevo como um pulmão que respira.

Escrevo como quem chora, tal como o poeta.

Escrevo porque é um acto de liberdade.

Escrevo por escrever e porque sim.

Escrevo-me…

Escrevo para me amar.

 A mim e a outros.

 De certa maneira.

2 comentários:

JJ disse...

Escreves, e escreves muitíssimo bem. De tal forma bem que me deixas sem mais palavras.
Um beijo, Amiga.

Slatkavoda disse...

Obrigada JJ,
É sempre bom saber que "me" lês.
Bj.