3 de agosto de 2008

Sou uma espécie de carta de jogar, de naipe antigo e incógnito, restando única do baralho perdido.Não tenho sentido, não sei do meu valor, não tenho a que me compare para que me encontre, não tenho a que sirva para que me conheça. E assim, em imagens sucessivas em que me descrevo – não sem verdade, mas com mentiras – vou ficando mais nas imagens do que em mim, dizendo-me até não ser, escrevendo com a alma como tinta, útil para mais nada do que para se escrever com ela. Mas cessa a reacção, e de novo me resigno.Volto em mim ao que sou, ainda que seja nada. E alguma coisa de lágrimas sem choro arde nos meus olhos, alguma coisa de angústia que não houve me empola asperamente a garganta seca. Mas ai, nem sei o que chorara, se houvesse chorado, nem porque foi que o não chorei. A ficção acompanha-me, como a minha sombra. E o que quero é dormir.
- Bernardo Soares -

1 comentário:

Anónimo disse...

Muito triste este post, mas descreve um pouco de nós.
O espelho ainda não reflete o que vai na alma, apenas o que dele resulta no nosso olhar, mesmo quando todos uns os dias temos olhares diferentes e o karma, dita que aprendamos todos os dias, para nos olhar-mos todos os dias de uma forma mais afirmativa e mais madura.

Hoje, e amanhã vê a estrela que brilha no teu espelho...

TSR