24 de novembro de 2008

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"O sexo não é um tempo para falar. De facto é um dos poucos momentos demasiado articulado, extremamente verbal vida, onde é perfeitamente apropriado - se não preferível - calar a boca."
(Miranda Hobbes, Sex and the city)

Esta noite no bar, ele era pura literatura. Era impossível não admirar a sua forma de conjugar as palavras, o modo preciso mas violento irreverente em que irrompiam as suas ideias, a cadência dos pontos sobre os ies, que a essa altura me pareciam flores.
Fomos a um bar notavelmente horrível, mas confiei no meu William Shakespeare de copertin, no meu caustico Manuel Jimenez, para torna-lo poético.
Recostámos e ficou calado. De repente era pura contenção. Não havia mais pontos sobre os ies, nem mais cartas sobre a mesa, nem mais palavras. Já não podia ler-lo. Para mim ficou como que um livro fechado, um enigma cansado e indecifrável.
"O verdadeiro desafio é o silêncio. O vazio que não se pode encher com palavras", disse. Nos disse.
Não sei se me entendeu. Não disse nada.
Como seria o Marquês de Sade na cama?Diria Cortázar algo a uma mulher nua em seus braços depois do capítulo 7 de Rayuela?
Haveriam sofrido Elsa Astete Millán o Maria Kodama alguma vez problemas de índole horizontal? O seria B. o fervor, um labirinto circular, uma catarata de variantes amatórias configuradas, como os seus escritos, numa subtil arquitectura de mesura e desmesura?
Não posso terminar de dizer se a cama é um campo minado de palavras, ou simplesmente um campo minado. Suponho que depende de cada guerra, e mais ainda de cada guerreiro.
A flora e a fauna dão para tudo: estão os que falam, os que te pedem que lhes digas alguma coisa e sem articular palavras se dão a entender, os que avisam, os que passam sem deixar rasto, e esses nomes que ficam escritos num corpo com tinta invisível e indelével.
Talvez o dirty talking é para os mais mentais, donos de cérebros com tanta presença erótica no plano horizontal com no vertical. Ou será que com o tempo todos nós nos livramos e procuramos lugar entre as folhas para qualquer tipo de conversa. Mas de todas as conversas, a de depois é a mais difícil. Ali é quando, às vezes, um se contém em dizer as coisas realmente pornográficas, as palavras deliberadamente obscenas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto, cara amiga Slatka.

Calarmo-nos na hora certa e pelos motivos certos é uma verdadeira arte. No entanto, há silêncios falsos, aqueles que fingem uma sabedoria que, de facto, não existe. Nem sempre o silêncio é sinal de profundidade de pensamentos. Pelo contrário, é uma camada de verniz que recobre o vazio sepulcral de quem nunca tem nada para dizer.
A sexualidade deve ser falada, desde que os intervenientes assim o queiram, duma forma destemida, sem tabus, dizendo coisas realmente pornográficas, preferencialmente com muito prazer…

JJ disse...

Mais pessoal e empolgante que a fluidez das palavras pronunciadas é a fluídez das palavras na imaginação.
Isto quando a mescla de sensações não nos baralha os sentidos e torna subjectiva a introspecção. Aí entra o dirty-talking, como elemento catalisador e ponto de encontro emocional que devolve ao ego o controle da expressão e o re-encarrilamento do comboio dos sentidos.
Com poucas reservas, uma verdadeira arma-secreta, tão secreta que apenas a encontramos escondida por detrás do espinhoso manto dos tabus. Não se destape este manto e torna-se a arma eternamente secreta, como que inexistente.

Cumprimentos a todos aí em casa ;)