30 de janeiro de 2009

Epifania

...E gosto de ver os olhos de alguém enquanto lê, como é espiando desde cima do texto, que ao estar escrito na vertical e não dar voltas às folhas da sensação de ser um pergaminho, um papiro, rolos da antiguidade, raios de história, ver os seus gestos ao ler, sorrir, perder-se no texto para se voltar a encontrar assistindo de cabeça erguida, olhos abertos e ao mesmo tempo os lábios se entreabrem para jogar, mostra os dentes a língua e joga, desenha um sorriso emula uma gargalhada, solta rios de fé enfeitiçados pelo ar, e segue sem saber o que está a ler nem tão pouco se na realidade o vê, ou se na verdade o está olhando, lendo-o, se me está a espiar a mim enquanto lê, será que pode ver enquanto lê, ou se olha entre as letras, como um espelho, um jardim no mar, simplesmente se vê os olhos, vê-se mover da direita à esquerda, na realidade da esquerda para a direita, mas eu aqui como um espia, já o disse, eu escondo-me de frente...

...deixa-me entrar
deixa-me verte
sussurrar um segredo
na tua orelha
sussurrar como um silêncio
no teu ouvido
sussurrar até te ensurdecer e desatar-te de todos os fios sem mais te soltar e voar, inclusive de costas para a terra, para olhar o céu total, total...

... e cá estou, desde cima vamos pedindo que cuides da minha lua, que absorveu vazios, vazios de madrugadas que sonharam com luas, que sonharam em correr ao chá servido no jardim, sonhando sempre com as madrugadas sorridentes frente às madrugadas abertas, e quando tremendo os lábios falam do vento e da pressa do tempo que se acende sem fé num corpo que se perde nos olhos encandeados pela dor das sombras de se ver, quando não, sem voltar a esconder-se, mas sim quando se cobre de livros pessoais como tormentos que estalam nas paredes que olham como sonhos madrugadores que pensam e teimam em sonhar ao sol, que tremem ao incendiar encandeando as chuvas utópicas que nunca banharam corpos sedentos que gemem sonhando utopias abertas ao sol da flor...

... Deixa-me ver-te
deixa-me entrar
escrever outra vez como nunca
na tua pele
escrever outra vez como sempre
no teu sangue, no vento
escrever até ter dedos outra vez em aros metálicos que se lêem entre céus pintados de vermelho e verde, não como uma cerimónia, nem com interrupções resplandecentes da memória da água, não já não, total para quê...

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