15 de março de 2009

Paisagem

Ontém, perdi-me nas encostas do Douro, como muitas vezes me perdi no seu rio. Respirei o mosto e invadiu-me e paz e a serenidade daquelas montanhas de recorte sublime.
A imagem é fantástica e ilustra bem tudo quanto Torga quis passar no poema "S. Leonardo de Galafura" - uma real "proa das montanhas", no concelho de Peso da Régua, Vila Real.
Há momentos assim! A paz recolhe-nos e eu aproveito para navegar até um qualquer cais onde permaneço na tranquilidade.
Valha-nos a poesia para voar nas asas de um eloquente verso.
Há uma luz intuitiva a recortar-te da paisagem de gelo.



São Leonardo da Galafura

À proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu postoDe comando,
S. Leonardo vai sulcandoAs ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcosNem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!

Miguel Torga

2 comentários:

Anónimo disse...

incomparevelmente Douro.

Saudades dessas colinas desenhadas a braços de homens e mulheres que sonharam.

As tuas palavras levam-me em pluma a ter mais perto esses lugares...

TR

seixomirense disse...
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